Eduardo Ritter

Revisitando o jornalismo gonzo

Por Eduardo Ritter
Professor do Centro de Letras e Comunicação da UFPel
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Dia desses, finalizando a biografia que escrevi e que está para ser lançada (se Deus, Alá, o editor e o biografado assim quiserem), meu editor me escreveu: "E a segunda edição do Jornalismo Gonzo? Quando vamos lançar?". Pois é, eu sabia que ela esgotou em tudo quanto é lugar, chegando a ser vendida (a versão física) a mais de R$ 500 na Amazon (eu não ganho um puto pila disso...). Respondi que topava lançar a tal da segunda edição e, então, em meio ao final do semestre e à finalização da biografia do biografado surpresa peguei o Jornalismo Gonzo: mentiras sinceras e outras verdades, lançado em 2018 pela Insular, de Florianópolis, para revisar todo o texto e, diabos, eu não lembrava de muita coisa que escrevi lá!

Relendo o que eu mesmo escrevi, voltei para os Estados Unidos dos anos 1930, 1960, 1970, 2013 e 2014... Lembrei da saga que foi refazer os passos de Hunter Thompson durante a construção da sua obra gonzo ao longo das suas quase sete décadas de vida. Em Nova Iorque, onde eu estava instalado em 2013 e 2014, por exemplo, fiz a recuperação dos endereços em que Hunter Thompson viveu graças ao livro The Proud Highway: Saga of a Desperate Southern Gentleman, 1955-1967 (The Fear and Loathing Letters), que apresenta a correspondência do jornalista com o respectivo endereço de cada carta escrita. Natural de Louisville (estado do Kentucky), Hunter Thompson viveu em diversas cidades americanas, mas justamente quando ele tentava iniciar na carreira de jornalista e escritor ele foi para Nova Iorque para tentar a sorte. Ou seja, Thompson começa a aparecer já no final dos anos 1960, bem depois de ter morado nesses lugares, mas isso torna o troço ainda mais curioso, pois eram residências "normais" em que ele morava, pois até então ele era um simples anônimo em formação.

Ao final da história, foram seis residências mapeadas em Nova Iorque, com três que ficam no centro de Manhattan. Havia outras duas nos arredores da Universidade Columbia (onde ele chegou a estudar e eu fiz um curso de Jornalismo em zona de guerra) e outra fica mais isolada, na rua 81, longe de onde eu estava e as coisas aconteciam em NY. Mas acabei dando um jeito de passar por lá também. As fotos do trajeto todo estão no livro, bem como a história do jornalismo Gonzo, de Hunter Thompson, e das pérolas inigualáveis de um dos mais criativos e hilários jornalistas-escritores de todos os tempos. Bom, além das andanças por Nova Iorque, ainda revivi as histórias de Thompson sobre a Califórnia, Las Vegas, as montanhas do Colorado e de Louisville, bem como as minhas passagens por esses e outros lugares. Nossa, que saudade! Eis a vantagem de ser escritor, jornalista e pesquisador: a gente sempre pode reviver o que viveu relendo nossos textos antigos.

E outra vantagem da literatura, e de ser escritor, é poder viver a vida dos outros. Entrevistando, lendo e escrevendo você viaja para qualquer lugar do mundo e experimenta sentimentos que você nunca sentiria, a não ser pela voz de outra pessoa. Por isso me orgulho tanto da minha profissão e gosto tanto do jornalismo e da literatura. Alguns dizem que ambos estão em extinção, mas se estiverem, não tem problema. Eu também estou. Porém, vale lembrar que a Páscoa, celebrada neste final de semana, foi criada pela maior peça literária ficcional da história: a bíblia. Seria o Tik tok, o Instagram, o Youtube ou qualquer outra tecnologia capaz de bater a velha e boa literatura? Eu ainda acho que não.

Uma feliz Páscoa a todo. E que cada um viva (feliz) acreditando na própria ficção.​

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